Editorial
Não aprendemos nada
Por: Luis Baptista-Martins
1. O encerramento de escolas com menos de 21 alunos é dramático para as comunidades locais. Uma coisa foi o fecho de escolas com 9 ou 10 alunos, que só pecou por tardia, outra, bem diferente, é o fecho indiscriminado de escolas com 19 ou 20 crianças. E se nalguns casos até pode fazer sentido, pela melhoria da qualidade do ensino e do equipamento, noutros vai obrigar as crianças a perderem mais tempo em deslocações, desintegrá-las da sua comunidade e afastá-las da família, com todas as implicações.
O mau planeamento do território e a falta de reforma administrativa conduziu-nos a esta trágica realidade de sermos um país cujo interior há muito foi abandonado e agora, com o fecho dos SAP’s e das escolas, vai receber mais uma machadada. Futuramente, as famílias, mesmo tendo condição económica para residir no meio rural, terão de habitar em meios urbanos para poderem estar perto dos seus filhos. Contrariar a desertificação e o abandono de todo o interior português, a administração do território como um todo, devia ser um objectivo de quem nos governa, mas a verdade é que o caminho que tem sido seguido é o do êxodo rural definitivo.
2. A apresentação de uma petição na Assembleia da República, pelo Movimento Escola Pública, pretende que a legislação que determina que o número máximo de alunos por turma, do 5º ao 12º anos, seja reduzida de 28 para 22. A proposta é, indubitavelmente, essencial para a maior qualificação formativa dos alunos.
Mas é também decisiva para a manutenção de turmas que, de outra forma, serão “liquidadas”.
A legislação é muito clara: uma turma deve ter entre 24 e 28 alunos, em circunstâncias normais. Excepcionalmente, podem ter 22 ou 23 alunos. E por decisão dos agrupamentos, em caso de não haver alunos suficientes para formar uma turma, pode extraordinariamente ter menos. E é este o problema central com que se debatem muitos agrupamentos de escolas na região.
3.Como consequência, o secretário de Estado da Educação exarou despacho (que entretanto desapareceu…) para encerrar o Agrupamento de Escolas de Vila Franca das Naves, fundindo-o num único no concelho de Trancoso, e o mesmo sucederá em outros concelhos da região, como Seia, Almeida ou Gouveia. Num primeiro momento será cortada a “cabeça” aos agrupamentos, mantendo o funcionamento das escolas, mas depois… e no estrito cumprimento da lei, deixará de ser possível manter turmas que não cumpram os pressupostos legais (entre 24 e 28 alunos).
4. Em reunião, a semana passada em Vila Franca das Naves, na presença de educandos, professores e autarcas discutiu-se o futuro da Escola local e do respectivo Agrupamento. Num fórum do género podemos ouvir de tudo… E, por paradoxal e absurdo que pareça, foi possível ouvir Júlio Sarmento, presidente da Câmara de Trancoso, afirmar categoricamente que a Escola de Vila Franca «não encerrará nos próximos 10, 15 ou 20 anos…». Uma inesperada e funesta demagogia, quiçá motivada pela necessidade de tranquilizar as hostes poucos antes da “festa” de recepção a José Sócrates, mas distante da realidade. Entre o vínculo à Carta Educativa que o Governo não cumpre (se até a Constituição é desrespeitada na retroactividade fiscal, como é que Júlio Sarmento quer exigir o cumprimento de um instrumento de planeamento e ordenamento?), a preocupação da população, alguma hipocrisia e a afirmação do edil ninguém percebeu o essencial, mas ficou quase toda a gente satisfeita: a partir do momento que o Agrupamento local seja integrado num único, concelhio, será asfixiado, e as turmas que agora têm menos de 24 alunos não irão subsistir, pois só funcionaram este ano por decisão da direcção do Agrupamento, posteriormente, os alunos serão transferidos para a escola de Trancoso. E será assim, gradualmente, o fim da própria escola de Vila Franca das Naves – no próximo ano lectivo deixará de ter 8º ano, por ter 20 alunos, no ano seguinte o 9º... Júlio Sarmento sabe que o processo é lento – e que, provavelmente, não será implementado durante o seu último mandato, por isso nada lhe poderá ser cobrado. Mas, nos próximos anos, em Vila Franca das Naves, como em Vila Nova de Tazém, ou Almeida, ou Paranhos… por cada agrupamento que seja centralizado ao nível concelhio, haverá posterior encerramento de escolas. Se nada for feito agora, depois será tarde. A história não anda para trás. Em Vila Franca das Naves há piscinas municipais cobertas e modernas, há centro cultural e cívico, há estádio de futebol com bancada, vai haver um novo e moderno quartel de bombeiros, há centro de Saúde (extensão), há um comboio que pára cada vez menos e vai haver um acesso à auto-estrada (IP2) mas, simplesmente, e dentro de poucos anos, vai ser liquidada aquela que foi considerada no último triénio como a “melhor escola EB2,3 do distrito da Guarda”.
(Declaração de interesses: sou oriundo de Vila Franca das Naves, mas não resido nesta vila. Defendo a preservação de instituições, e ainda mais de ensino e de qualidade, em toda a região, pois só assim poderá haver futuro para o interior).
in O Interior - editorial do Director
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